22 October, 2008

Às 17h, no Café & Cia...


- Boa tarde - disse o garçom, entregando o cardápio.
- Obrigado - ele não quis fazer o pedido ainda.
- Desculpe lhe interromper, mas o senhor aguarda por uma moça chamada Marcelle?
- Errr... sim - ele respondeu, um pouco pasmado.
- Ah, é que ela me pediu para que lhe entregasse isto - e passou-lhe um envelope em branco.


"Você deve estar se perguntando agora que diabos eu estou a fazer te escrevendo depois de tanto tempo. Já eu, poderia te responder um milhão de coisas, inventar uma infinidade de desculpas, só pra procrastinar. Eu sei que sempre fui assim, mas é que dessa vez eu simplesmente não consigo agir como agi não só com você, há três anos atrás, como com todos os caras que vieram a se aproximar de mim. No fundo acho que tenho medo, sei lá.

Na verdade, só queria me desculpar por ontem, quando nos encontramos depois de tanto tempo e acabei te tratando como um mero desconhecido no bar. Acho que estava bêbada além da conta e acabei ficando sem reação, talvez porque eu jamais esperaria te encontrar justo ali. Também queria te pedir desculpas por ter levado a dose de caipirinha pra mim, na mesa, num ato de bondade, cavalheirismo, como quiser; e eu ter pego o drink e saído sem ao menos dizer "obrigada". É que é bem complicado quando a gente tenta fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo. Ainda por cima agir, pensar e falar. E pra te ser sincera, eu ainda não tinha processado metade dos pensamentos que estavam dentro de mim, o que me fez parecer uma verdadeira idiota na sua frente. Mas juro que não era minha intenção te fazer de idiota também, naquele momento. Pena que eu só concluí isso agora, te escrevendo essa carta.

Não sei o motivo d'eu ter fugido, há três anos, quando as coisas entre nós foram começando a ficar ruins, mas você me conhece melhor que ninguém pra saber da minha antiga mania de nunca encarar nada de frente, de sempre arranjar uma desculpa e sair pela tangente, evitando me afetar demais. É... deve ser por isso. No fundo acho que tenho medo, mesmo, sei lá.

Mas quer saber? Apesar de tudo, e principalmente do meu jeito, eu ainda gosto de você. Vejo isso pela maneira que me importei com o que aconteceu ontem, a ponto de estar aqui te escrevendo - e isso é raríssimo acontecer. Passei todo esse tempo tentando me livrar do que ainda restava de você em mim, mas você - tendo ou não esse direito - desmoronou todo o templo dos meus planos ontem, e eu realmente andei inquieta hoje até terminar essa maldita carta. Logo eu, que sempre achei que pudesse controlar as circunstâncias, ou caso não as controlasse, arrumava um jeito de evitá-las... fugia.

Talvez agora eu não consiga mais - vou me esforçar pra fazer com que isto seja verdade. O fato é que quando te liguei, hoje de manhã, te chamando pra tomar um capuccino comigo no Café & Cia da esquina do seu prédio, às 5h, nem eu mesma sabia se ia conseguir cumprir a minha parte do convite - acho que pelo meu velho problema. Foi aí que resolvi te escrever essa carta. Porque se você a estiver lendo, é que eu sucumbi aos meus fracassos e não consegui me arriscar - espero que te sirva como justificativa ou consolo. Caso contrário, meu desejo por capuccino deve estar realmente aflorado hoje, rs. É só isso.


Afetuosamente,
Marcelle M."



Ele terminou de ler a carta. Olhou ao seu redor; logo após, as horas. Eram 17:15h. Depois deu uma risadinha sarcástica, como alguém que acabara de se conformar.

- Garçom! - chamou o homem.
- Pois não, senhor.
- Dois capuccinos, por favor!

Depois de ter bebido o seu, olhando para o outro, intacto, ele se levantou. Pôs a carta no bolso do sobretudo e saiu do Café, em meio ao frio e à chuva. Ele, mais do que ninguém, sabia que romances nem sempre são tão convencionais.

8 comments:

Anonymous said...

lindo, amiga.
nossa! parece super real, né?
você conseguiu definir certinho uma garota impulsiva

acho que isso nos lembra alguém
uahuahauha


beijo ♥

Isa

Anonymous said...

ih, rapaz...

isso que é furar com estilo!
:B

brinks

curti, tá bem intenso. e acho que sou capaz de enumerar moças como a do texto - ou que agiriam da mesma forma -, enfim...

é isso (:

=*

Anonymous said...

eu teria ficado puto.

Ana Leticia said...

Ótimo conto!!!
Ou seria uma projeção de algo que poderia ter acontecido?
Ou de algo que se imagina que, de fato, aconteceu?
Enfim... não importa. Ficou magnífico.
O que vale é a intenção. :)
Beijos
Ana.
www.mineirasuai.blogspot.com

J.F. de Souza said...

Adoro escritos desse naipe... Extremamente fictícios... =P

Hannah Reis said...

Marcelle..Celle...
Muuuito Bom..eu adoro Ler Historias assim!. Mana, c tem um dom adorei...quando vi seu tweet..eu pensei..num custa nadaa ler..e eu me surpreendi!porque parece tão real..hsuahsa
Parabens!
Bjos
Hannah Reis

Marcel Silvano said...

Ainda bem que não era eu no Café a esperar.

Carolz said...

Celle, sua Jane Austen! adorei!
;*